27.9.13

Duda Machado: "Imitação das coisas"





Duda Machado:

Imitação das coisas

Vamos, dedique-se por inteiro
às aparências, às coisas propriamente
ditas. Procure frequentá-las,
trazê-las para dentro de si mesmo,
incorporá-las dia a dia,
a cada instante,
por mais irrisório/absurdo que pareça.

Pode ser, no entanto, que você
não resista o tempo todo
e, de vez em quando, se afaste
da consistência das coisas
e se deixe levar
pelo hábito de transformá-las
em encantamento ou profundidade.

Não se perturbe. Ao persistir,
voltaremos mais uma vez a elas,
imperfeitos e concentrados
- como no amor -, decididos
a alcançá-las, embora adivinhando,
e já pouco importa, que ainda
não estamos preparados.




MACHADO, Duda. Margem de uma onda. São Paulo: Editora 34, 1997.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bonito, me lembrou seu poema "Dita".
______
um poema meu:

UMA ÁRVORE

Quero a árvore da madeira mais escura,
a madeira mais firme, a madeira mais dura;
a árvore, que se afirme contra sol, vento e chuva,
contra mim e as demais idiossincrasias do tempo.

Quero que a árvore, cuja raiz é lâmina afiadíssima [atravessando séculos
(centenas de séculos ressecados e sobrepostos em [camadas),
se confunda num amálgama de lama inacessível.
Que a árvore inteira e in natura seja escultura de lama e [noite, como um mangue!
Quero a árvore cujo leite negro da seiva seja a mistura do [sangue de centenas de espécies de centenas de séculos [atrás.

Quero ainda que a seiva abra seu leito no ventre denso como um [buraco
negro eclodindo em mil folhas carbônicas, futuro papel de [parede do universo.
Quero a árvore e, principalmente, seu líber primitivo,
matéria-prima da liberdade e de todos os livros.

Quero a árvore que jardim nenhum concebe,
e em sua coroa colher a linguagem,
fruta dulciamara, que só faz subir minha febre.