3.8.09

"Inverno": tradução para o russo de Oleg Almeida

.


O poeta Oleg Almeida, autor do belo livro Memórias dum hiperbóreo, traduziu para o russo o poema "Inverno", que originalmente fiz como letra para uma melodia de Adriana Calcanhotto. Eis a tradução, para aqueles que conhecem a língua de Puchkin, e, em seguida, o original:



ЗИМА
(Сузане Мораис)

В тот день, когда я слишком счастлив был,
в твоих глазах
вдруг отразился самолёт – взлетел, исчез;

и с этих пор –
брожу ли вдоль канала взад-вперёд,
пишу ли длинное, без адреса, письмо –
зимой в Леблоне настоящий лёд.

Есть кое-что, чего не смог понять...
Где потерял ручного льва: на нём
в тот самый день ещё скакал верхом?

Я позабыл,
что одинокого судьбе не жаль,
что пьяным кораблём, в морскую даль
заброшенным, угоден ей
сейчас.

Но сам не знаю что
пытается напомнить мне подчас,
как небеса однажды встретились с землёй
для нас двоих,
немного раньше, чем закат погас.




INVERNO
(a Susana Morais)

No dia em que fui mais feliz
eu vi um avião
se espelhar no seu olhar até sumir

de lá pra cá não sei
caminho ao longo do canal
faço longas cartas pra ninguém
e o inverno no Leblon é quase glacial.

Há algo que jamais se esclareceu:
onde foi exatamente que larguei
naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?

Lá mesmo esqueci
que o destino
sempre me quis só
no deserto sem saudades, sem remorsos, só
sem amarras, barco embriagado ao mar

Não sei o que em mim
só quer me lembrar
que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar.

20 comentários:

mary disse...

lindíssimo poema…
o seu blog tem sido um bom abrigo aos pensamentos e sensações que flutuam.
obrigada pela partilha.

paulinho disse...

PUTA QUE PARIU!, cicero,

estes seus versos... porra (rs)... sou LOUCO por eles!

você não faz idéia de como já chorei, me comovi, em casa, no meu quarto, no meu canto, denso do canto que me vinha, com lady calcanhotto à vitrola, com sua voz fazendo o meu coração pulsar forte, violento, emocionado.

e a constatação final, de que "o céu reuniu-se à terra um instante por nós dois", sempre me coloca em contato direto com esta imagem, a do "paraíso na terra", isto é, com a imagem do desfrute intenso de prazer, para, depois, a tristeza pela falta disso, com o assombro do ocidente, com a sombra que lhe recai, tornando tudo lúgubre, triste.

enfim, poeta, estas suas linhas... que maravilhas!

fico feliz por contar com você, sabia? ;-)

beijo, riqueza!

Felipe Velho disse...

Esse poema na voz de Adriana dá o perfeito entendimento do quanto a música pode acasalar com a palavra.
Convido-o ao meu blog www.felipevelho.blogspot.com, onde ponho 'alguma poesia'.
Um abraço, FV

Arthur Nogueira disse...

Querido Cicero,

uma pena eu não dominar russo, para poder ler a versão de Oleg Almeida para essa beleza. Mas aproveito a oportunidade para dizer que poucas vezes ouvi uma canção tão linda quanto essa. Lembro a primeira vez que ouvi, ainda pequeno, e o tanto de sentimentos que me despertou. Posso afirmar, sem exageros, que "Inverno" é uma das músicas de minha vida. Foi responsável por eu me apaixonar pela "Fábrica do Poema", da Adriana, e também pela sua poesia, que está sempre comigo (seja nos livros ou nas canções). Parabéns por essa letra inacreditável.

Um beijo, meu poeta.

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,


"INVERNO" é tão lindo que em qualquer língua continuará perfeito!


Abraços,
Adriano Nunes.

ADRIANO NUNES disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Angela disse...

"eu vi um avião
se espelhar no seu olhar até sumir"
Lembrei de Lorca"trouxe no coraçao um peixe do mar.Se olhares bem verás cruzar meus olhos"

gosto deste teu poema tanto tanto.No todo e em partes.Quase que dá para ler de trás para a frente, na diagonal, até.
beijo
Angela

cnftt* disse...

adoro esse blog, adoro esse cara, adoro esses excessos !

ja que paulinho vive beijando, posso beijar também ?

Antonio Cicero disse...

Muitíssimo obrigado a Mary, Paulinho, Felipe Velho, Arthur Nogueira, Adriano Nunes,Ângela e cnftt*.

Beijos

Alcione disse...

Lindo demais, o poema e a canção, rara harmonia...bom, aproveito prá dizer prá galera que amanhã começa um curso de quatro dias incrível sobre poesia, "que é a poesia", lá em Pinheiros, sampa, rua Dr.Virgílio de Carvalho,426 - Cursos b_arco; um grande poeta vai estar lá, adivinhem quem é?
The best, um doce prá quem adivinhou!

ADRIANO NUNES disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Robson Ribeiro disse...

Ah! Cícero, quantas vezes já cantei essa letra... Eu e muitos por aí, certamente.


Como você se sente com relação a isso, de saber que os versos que você escreveu fazem parte de momentos importantes da vida de tantas pessoas?

Grande Abraço!

Emerson Leal disse...

É um tanto estanho ver símbolos que correspondem a fonemas(letras) e não ter idéia absoluta nem de que som tem aquilo, muito menos o significado daquilo tudo. Lendo um texto em russo (ou chinês, ou grego) ficamos absolutamente analfabetos...

Cicero, eu podia jurar que nesse caso você havia escrito o texto antes e Adriana feito a melodia depois, pelo fato dela - a melodia - ter uma certa "irregularidade"... É sempre assim que vc faz com seus parceiros? Melodia antes e letra depois? Massa! Eu sempre achei muito, mais muito mais complicado de se fazer assim... Pôr melodia numa letra sempre me foi mais fácil. A propósito, posso tomar a liberdade de musicar algum texto seu? Você teria alguma letra "solteira" e disponível? Seria uma honra e tanto!! Um grande abraço!

Emerson Leal disse...

Ah, Cicero e todos: Dêem uma olhada nisso, acho que vcs vão gostar; é de um poeta baiano chamado Washington Araujo.

ERRANDO

Percorri santuários
me vi em torres de marfim
vaguei milharais imensos,
poesia, poesia...
Por que estive tão longe?

projetei armas químicas
repousei em lençóis de seda
cacei lobos-guará
poesia... Por que estive longe?

varri florestas dos mapas
estuprei índias morenas
joguei dinamite no mar.
Poesia?!

Fui preso.
Saí com oitenta anos.
O sol queimou meus olhos, nunca mais enxerguei.
Um dia chuva molhou
a terra exalou um cheiro tão antigo
inebriado e cego
ajoelhei
bebi a lama da terra
lambi saliva do céu...

Inda não acredito, poesia, que estive tão longe...

Nobile José disse...

antônio, as coisas q vc escreve... me tiram do sério mais do q drummond.
tava no trânsito - e dirigir tem isso, da gente se semi-distrair - e ouvi essa letra com outros ouvidos.
agora a letra q me fez desistir de escrever foi maresia. era eu q tinha de tê-la escrito - mas não deu. então minha labuta virou outra (rs).
te adimiro muito!!!!!

Antonio Cicero disse...

Emerson,

sim, a Adriana me deu a melodia e eu pus a letra. Gosto mais de fazer assim, embora às vezes faça do outro modo.
Muito obrigado pelo elogio. Quando eu tiver alguma letra disponível, avisarei.

Abraço

Antonio Cicero disse...

Robson,
Fico tão feliz que nem acredito.
Abraço

Anita disse...

Belo, belo, belo!! (Que mais tem pra dizer??)

Deu vontade de aprender russo pra ver como ficou a tradução. Só por curiosidade mesmo, porque com certeza continua maravilhoso.

Bom para os russos agora!!!rs Vai ser publicado lá?

Bjs

Jefferson Bessa disse...

muito lindo esse texto...sempre me lembro dele e fico cantarolando por aí...fico feliz por você. valeu mesmo. um abraço.

Marcello Jardim disse...

De fato, Cicero, essa música e seus versos realizam uma espécie de casamento mágico de tão feliz e bonito.Adoro a Adriana, é uma de minhas vozes contemporâneas preferidas,junto com Nana, Bethânia e Tracey Thorn.