24.10.08

Paul Valéry: sobre a literatura

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Há pessoas que buscam na literatura a recordação de suas emoções, ou as emoções mesmas; ou o reforço ou o esclarecimento de suas próprias emoções.

Quanto a mim, não necessito nem de tais reforços nem de tais explicações, nem sobretudo da recordação, do ricordo de minhas emoções – pois das minhas emoções só amo as que não precisam ser recordadas nem reforçadas nem esclarecidas.

Aos livros, peço: ou o esquecimento, ser outro – e consequentemente nenhuma profundidade; ou o armamento do meu espírito, o armamento não do indivíduo; – mas visões que não tive e que podem enriquecer o meu arsenal – meios suscetíveis de me engrandecer – ou de me economizar erros ou tempo –

É nisso que os romances sobre o amor me entediam – perder tempo acerca de uma perda de tempo e perdê-lo em análises que já sei que não valem nada, sendo ou demasiadamente particulares ou demasiadamente arbitrárias por essência.



De: VALÉRY, Paul. "Ego". In: Cahiers I. Paris: Gallimard, 1973.

4 comentários:

Anônimo disse...

Antonio, tudo bem?
A parte de que mais gostei foi esta: "mas visões que não tive e que podem enriquecer o meu arsenal – meios suscetíveis de me engrandecer – ou de me economizar erros ou tempo".
Abbracci

Alcione disse...

Índios
Trago você nas veias
Minhas veias percorrem
O corpo todo
Esquecimento
De um sorriso tão belo
E sincero
Lente de aumento.

Anônimo disse...

Texto maneiríssimo!

Suas escolhas e escritos estão entre os ótimos acontecimentos que acompanho ultimamente.

ADRIANO NUNES disse...

CICERO,


FAÇO MINHAS AS PALAVRAS DE CAETANO VELOSO: "LIVROS"



Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou – o que é muito pior – por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras

Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas


ABRAÇO!
ADRIANO NUNES, MACEIÓ/AL.